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O presente livro é fruto do III Congresso Nacional sobre tráfico de pessoas e trabalho escravo realizado na Faculdade de Direito da UFMG. O evento marcou a terceira edição do Congresso realizado anualmente pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas (CTETP), projeto de extensão da FDUFMG, calcado no tripé universitário da pesquisa, ensino e extensão, existente desde 2015.
O Congresso, como em suas edições anteriores, recebeu artigos de alunos e professores de toda parte do Brasil que pesquisam, atuam e se debruçam sobre o tema. Foram mais de 30 resumos enviados, sendo que 31 resumos foram selecionados para apresentação.
Posteriormente, os resumos foram desenvolvidos e deram origem aos artigos que hoje compõem essa obra, dividida em três partes estruturadas em sujeitos, conceitos e instituições.
A primeira parte, intitulada “Os escravizados” pretende dar voz aos sujeitos que são submetidos ao trabalho escravo contemporâneo, trazendo estudos de casos reais que buscam visibilizar a situação de alguns dos quase 369 mil trabalhadores brasileiros em condições análogas à escravidão, segundo estimativa da Walk Free Foundation.
A segunda parte, que recebeu o título de “Os conceitos e as formas”, buscou trazer análise da definição do trabalho escravo contemporâneo, a fim de situar os leitores acerca do estado da arte em que se encontra a doutrina pátria, bem como refletir teoricamente acerca do tema e incentivar a práxis.
Por fim, a terceira parte, “Os atores institucionais”, analisou a atuação dos órgãos que estão na linha de frente do combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil, como o Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho e os entes de fiscalização.
Pretende-se, de alguma forma, dar voz a essas trabalhadoras e trabalhadores e, ao mesmo tempo, informar e sensibilizar os intérpretes e aplicadores do Direito acerca da existência e permanência do trabalho escravo no Brasil atual.
Acredita-se que é por meio da visibilização e da conscientização que se poderá vislumbrar um futuro, espera-se que não muito distante, livre do trabalho escravo.
Lívia Mendes Moreira Miraglia
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Em 2016, quase 900 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão, como resultado de 115 ações fiscais, realizadas por auditores fiscais do Ministério do Trabalho. Minas Gerais foi o estado recordista, onde as equipes de fiscalização identificaram 328 trabalhadores em situação semelhante à de escravos.
Com sua grande dimensão territorial, dividida em 853 municípios, verifica-se que a prática do trabalho escravo espalha-se por todas as regiões de Minas. O fenômeno não é recente, pois, desde 2004, logo após as alterações trazidas pela Lei n. 10.803/03, que modificou a redação do art. 149 do Código Penal, mais de 3.400 trabalhadores foram resgatados no estado. Embora não haja dúvida de que o trabalho escravo seja fenômeno global, interessa averiguar como tem sido tratado em terras brasileiras, mais especificamente no estado de Minas Gerais. Este estudo baseou-se fundamentalmente na análise de relatórios de fiscalização elaborados pelos auditores fiscais do trabalho em Minas Gerais, no período de 2004 a 2017, no total de 373 documentos.
Foram identificadas as articulações entre as instituições responsáveis por lidar com o trabalho escravo, em que se incluem Ministério do Trabalho, Polícia Federal, Ministério Público do Trabalho e Ministério Público Federal, Justiça do Trabalho e Justiça Federal e como se dá o processamento das notícias crime, desde sua origem até o último ato do processo trabalhista ou penal. Optou-se por selecionar apenas os relatórios a partir de 2004 porque sucessivamente próximos à mudança do conceito de trabalho escravo contido no artigo 149 do Código Penal, ocorrida em dezembro de 2003. Não foi interesse da investigação comparar as fiscalizações realizadas antes e depois da alteração legal, mas sim examinar como o novo conceito foi incorporado por cada um dos órgãos que atuam no enfrentamento do problema.
Mais do que uma análise histórica comparativa, pretendeu-se abordar perspectiva evolucionária. Outra parte do estudo assenta-se no exame do conteúdo dos relatórios elaborados por auditores fiscais do trabalho. Como se analisou o período de janeiro de 2004 a dezembro de 2017, procurou-se averiguar a evolução da concepção do trabalho escravo, contida nos relatórios, tendo como base a definição do artigo 149 do Código Penal, incorporada ao ordenamento jurídico em 2003.
É de se esperar que o conceito, recém nascido para as fiscalizações do ano de 2004, tenha sofrido transformações interpretativas ao longo dos anos. As principais formas de manifestação e as atividades em que mais se constatou trabalho escravo, como também as expressões comumente empregadas nos relatórios foram objeto de investigação. Em suma, foi analisada a tramitação de procedimentos administrativos e judiciais envolvendo o trabalho escravo, assim como dos fatores que desencadeiam a discrepância de percepções em Minas Gerais, por ser local de grande incidência da prática.
Os resultados desse estudo poderão ser úteis ao estabelecimento de políticas públicas, à orientação da atuação das instituições que lidam com o problema e ao incremento do enfrentamento visando à redução dos casos em que se detecta a ocorrência do crime. Além disso, a metodologia empregada nesse estudo poderá ser aplicada nos demais estados brasileiros, como forma de conhecer a dinâmica do fenômeno em maior extensão.
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