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7 coisas que todo político brasileiro deveria saber sobre o trabalho escravo contemporâneo

Nessa última segunda feira, dia 08 de outubro de 2018, um dos candidatos ao segundo turno das eleições presidenciais, Jair Bolsonaro, concedeu uma entrevista. A parte em que o candidato se refere ao trabalho análogo ao de escravo está no minuto 7:40 e pode ser encontrada no seguinte endereço:

Recomendamos que vocês ouçam antes de continuarem.

Como muitos de nossos ouvintes nos indagaram sobre algumas afirmações feitas pelo candidato, resolvemos esclarecer alguns pontos que foram equivocadamente colocados. Elencamos então, 7 coisas que você e todo político precisa saber sobre o trabalho escravo contemporâneo baseado na legislação vigente em nosso país.

1.Inicialmente, é necessário esclarecer o conceito de trabalho escravo contemporâneo. Antes da abolição da escravidão, em 1888, o direito brasileiro comportava diferentes regimes para os seres humanos, isto é, eles poderiam ser homens livres ou escravos. Essa dinâmica alterava o conjunto de direitos e deveres dessas pessoas, dando ampla liberdade para uns e restringindo para outros.

Contudo, após a assinatura da Lei Áurea, não há mais em nossas leis o status de escravo, sendo impossível que uma pessoa seja considerada um. Em razão disso, quando alguém é encontrado em um sistema de exploração trabalhista que se enquadra e alguma das hipóteses previstas no art. 149 do CP, juridicamente, considera-se que ele foi reduzido a condições análogas à de escravidão.

Assim, quando alguém fala sobre escravidão contemporânea está se referindo ao trabalho análogo ao de escravo e não à escravidão legalmente permitida antes da Lei Aurea. Ou seja (e apenas para não restar nenhuma dúvida), quando alguém se refere ao escravo moderno está apenas utilizando uma figura de linguagem para se referir ao sujeito do crime do art.149 do CP.

2. O art. 149 do Código Penal prevê apenas 4 hipóteses de trabalho análogo ao de escravo e não 180 tipos como alegado pelo candidato.

A legislação penal prevê que somente é considerado crime de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo quando verificado: o trabalho forçado, a servidão por dívida, as condições degradantes ou a jornada exaustiva. A existência de qualquer uma dessas hipóteses é suficiente para a caracterização do crime.

De acordo com a Portaria 1.293/17 do TEM os tipos penais podem ser assim definidos:

  1. O trabalho forçado é aquele realizado com uso de violência física ou psicológica. Inclui também aquele em que o trabalhador não tenha se oferecido voluntariamente.

  2. A servidão por dívida configura-se quando houver a restrição do direito de ir e vir do trabalhador em razão de endividamento.

  3. A jornada exaustiva consiste no trabalho, que por sua extensão ou intensidade, acarrete danos à saúde, segurança ou convívio social.

  4. Por fim, as condições degradantes ocorrem quando as violações às normas de proteção, segurança, higiene e saúde do trabalhador afrontem a dignidade humana do trabalhador.

3. A função de fiscalizar as denúncias e as suspeitas de trabalho análogo ao de escravo cabe ao Ministério do Trabalho e não ao Ministério Público do Trabalho.

O Ministério do Trabalho é órgão ligado ao Poder Executivo com atuação administrativa. Sua atuação contra o trabalho escravo contemporâneo se dá, principalmente, por meio de fiscalizações promovidas pelos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel (GEMFs). O MT também realiza a publicação da Lista Suja do Trabalho Escravo, na qual publiciza o nome de empregadores flagrados submetendo trabalhadores à escravidão contemporânea.

Nos últimos anos, o Ministério do Trabalho tem sofrido cortes orçamentários que dificultam muito sua capacidade de atuação. Apesar disso, o MT continua realizando fiscalizações com extremo compromisso e seriedade, fato que pode ser demonstrado pela análise dos autos de infração relativos ao trabalho escravo contemporâneo feito pela CTETP (https://www.amazon.com.br/Trabalho-escravo-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-respostas-judiciais-ebook/dp/B078WY3F36).

O MT não age de forma arbitrária, discricionária ou ativista. Seu objetivo é identificar as situações que representam graves ameaças à dignidade do trabalhador, regularizá-las e impedir que elas continuem acontecendo.

Tanto o MPT quanto o MT prezam pela administração da justiça e nenhum dos dois “realiza testes de gravidez". Essa é uma decisão que cabe única e inteiramente à mulher.

4. O Ministério do Trabalho edita Normas Regulamentadoras, as famosas NRs, que especificam as condições mínimas de trabalho para as diversas atividades laborais. Qualquer empregador que explore atividade econômica deve se atentar para essas, assim como deve observar a legislação vigente, não podendo alegar seu desconhecimento para justificar eventual descumprimento.

A principal NR que regulamenta a atividade no campo é a NR 31, cujo objetivo é “estabelecer os preceitos a serem observados na organização e no ambiente de trabalho, de forma a tornar compatível o planejamento e o desenvolvimento das atividades da agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura com a segurança e saúde e meio ambiente do trabalho”.

É inverídica a afirmação de que a mera irregularidade no cumprimento de seus preceitos gera o reconhecimento de trabalho análogo à escravidão. A pesquisa realizada pela CTETP demonstrou claramente que os autos de infração lavrados em Minas Gerais entre 2004 e 2017 que concluíram pela existência de trabalho escravo contemporâneo se fundamentaram na verificação de uma série de irregularidades graves que configuravam condições degradantes de trabalho, jornada exaustiva, trabalho forçado ou servidão por dívidas nos termos do art. 149 do CP. Ou seja, tudo dentro da estrita observância da legislação vigente em nosso país.

5. O Ministério Público do Trabalho (MPT), instituição permanente e essencial à justiça, ao qual incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, integra o Ministério Público da União (MPU), conforme prevê o art. 127 da Constituição da República de 1988.

O MPT, dentre o seu rol de competências, tem como atribuição fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista para assegurar os direitos sociais constitucionalmente garantidos dos trabalhadores, competindo-lhe promover a ação civil pública para tutelar os direitos e interesses metaindividuais violados na relação laboral. Essa ação objetiva reparar lesões aos interesses que transcendem o aspecto individual, por meio da condenação do causador do dano em obrigações de fazer, de não fazer e dar, após observado o devido processo legal, direito fundamental assegurado no art. 5º, LIV da Constituição de 1988. Além do mais, como em todo processo judicial e administrativo existente na ordem democrática brasileira, os litigantes têm assegurados o contraditório e a ampla defesa, por força também de garantia constitucional, prevista no inciso LV do art. 5º.

Outro instrumento à disposição do MPT é o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), previsto no art. 5º, §6º da Lei n. 7.347/85. O termo corresponde a compromisso firmado com os investigados, a fim de sanar administrativamente as irregularidades trabalhistas constatadas no curso de investigações realizadas pelo próprio MPT ou pelo Ministério do Trabalho, adequando a conduta patronal às exigências legais. Os compromitentes assumem, assim, obrigações de dar, de fazer e/ou não fazer. No caso de descumprimento de suas cláusulas, por ser título executivo extrajudicial, ao MPT é permitido executar a multa prevista no ajuste na Justiça do Trabalho, a qual em regra é revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Desse modo, pode-se concluir que o Ministério Público ao atuar na defesa dos interesses da sociedade deve sim ser ativo e atuante na defesa dos direitos coletivos dos trabalhadores, buscando coibir e reparar as violações aos direitos trabalhistas. Afinal, essa é sua função constitucional.

6. A despeito do que afirma o candidato a respeito do “ativismo judicial” envolvendo o trabalho análogo ao escravo, há na verdade um problema grave de impunidade.

Em pesquisa realizada pela CTETP acerca das condenações decorrentes da aplicação do art. 149 do CP em Minas Gerais, entre os anos de 2004 e 2017 constatou-se a existência do que se denominou de “Pirâmide da Impunidade”. Isso porque dentre as 373 fiscalizações realizadas pelos auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, houve constatação de trabalho análogo ao escravo em apenas 157 delas que, submetidos à Justiça Criminal resultaram em 35 sentenças e, entre essas, somente 14 condenatórias. Por fim, apenas três decisões transitaram em julgado: na primeira, consumou-se prescrição retroativa da pretensão punitiva; na segunda, aplicação de multa e pena restritiva de direitos; na terceira, houve expedição do mandado de prisão para execução da pena de 4 anos e 6 meses de reclusão. Vale ressaltar que, nesse último caso, a sentença só transitou em julgado após o advogado do réu ter perdido o prazo para recorrer da sentença.

7. A Emenda Constitucional nº 81, de 5 de junho de 2014, modificou o art. 243 da Constituição para permitir a expropriação de propriedades nas quais sejam localizadas a exploração de trabalho escravo e culturas ilegais de plantas psicotrópicas. Entretanto, a aplicabilidade desse preceito constitucional depende, de acordo com o próprio artigo, de lei ordinária regulamentadora.

O Projeto de Lei do Senado n° 432 cumpriria essa função, porém tramita nas Comissões do Congresso Nacional há cinco anos, sem perspectivas concretas de aprovação. Assim, devido à carência de regulamentação, ainda não houve, nem pode haver, no Brasil, casos de expropriação da propriedade privada com base no art. 243 da Constituição da República.

Ademais, no Direito, as penas somente podem ser aplicadas àquele que cometeu o ilícito, consoante o princípio constitucional da intranscendência da pena, previsto no art. 5º, inc. XLV, da Constituição. Isto é, o próprio ordenamento jurídico brasileiro impede que terceiros sejam sancionados por atos praticados pelo infrator. Isso significa que, no caso do art. 243, a expropriação da propriedade privada seria uma pena direcionada apenas ao proprietário, não aos seus herdeiros, de modo que o exemplo utilizado na entrevista não é juridicamente viável.

Dito tudo isso, convidamos vocês a, novamente, escutar a entrevista e, a partir daí formar sua própria opinião. Convidamos vocês também, a acessarem nosso canal do Youtube onde se encontram diversos vídeos curtos sobre o tema:

Também convidamos todos a visitarem nosso site onde você poderá ler diversos documentos e fazer o download de nossos livros (clinicatrabalhoescravo.com).

Ressaltamos que vivemos em uma democracia e as divergências políticas existem e devem continuar a existir. O intuito desse post é o de realizar uma análise crítica da fala do candidato com base na legislação vigente e nos argumentos jurídicos que devem pautar essa discussão. Afinal, entendemos que o trabalho análogo à escravidão é assunto tão sério e tão importante que não pode ser pautado pelos humores e ânimos políticos de uma determinada época.

Saiba mais sobre o assunto

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